segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Desapego Total

VENDE-SE TUDO (por Martha Medeiros)

No mural do colégio da minha filha
encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo tudo
o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos.
O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe,
ao meu lado, comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.

Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo
apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e
por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar,
aparelho de som, tudo o que compõe uma casa. Como eu não conhecia muita
gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e
esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o
primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém
que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu
convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além
disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se
iam meus móveis e minhas bugigangas. Um troço maluco: estranhos entravam na
minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu, mais sem
alma .

No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê.
No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou
esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.

Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que
aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. Nunca mais me apeguei
a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo excessivo por
coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar.
Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez
mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa
o tempo que estiveram presentes na minha vida. Desejo para essa mulher que
está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que
tive na minha última noite no Chile .
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha
2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio.
Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que
não tínhamos nem uma xícara em casa.

Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções
todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde. Não pagamos
excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza.
Martha Medeiros

Perfeito!!! Lindo, simplesmente, lindo...
Para todos que já passaram ou estão passando por algum tipo de
"desprendimento", afinal não levamos nada da vida, além de boas
lembranças, momentos inesquecíveis e amor. Por apego, muitas vezes
deixamos de viver coisas novas, de conhecer lugares e pessoas
diferentes e crescer como indivíduos. Nascemos pelados e assim um dia
morreremos, por que então tanto apego? Segurança, referência ??? Pra
quê isso? Pergunto-me sempre essas coisas quando deixo de dar algo que
não uso mais, de vender algum objeto ou seja lá o que for.. Leia o
texto e pense nisso tudo!!!
Bjs Pat.